Direito da Nanotecnologia

Direito da Nanotecnologia:

Princípios Básicos e Questões Críticas[1]

 

Dr. Ilise L Feitshans JD e ScM e DIR

Especialista em Direito Internacional da Nanotecnologia

Diretora da “SaferNano Law and Guidance” do “SaferNano Training Program”

European Scientific Institute

Archamps Technopole, Archamps, France

Whatsapp: 917 239 9960

forecastingnanolaw@gmail.com

 

Nota: Todas as ideias são providenciadas com permissão da autora, baseando-se no seu novo livro “Global Health Impact of Nanotechnology Law”, Panstanford Publishers Singapore, disponível em Amazon.com.

 

Sumário: A revolução da nanotecnologia para comercialização pode revolucionar a saúde pública a nível global: a revolução científica, que se iniciou no dealbar do século XXI, consolidou-se, ultrapassando, em 2015, os três triliões de dólares[2]. Todas as nações têm um programa científico estratégico de nanotecnologia juridicamente conformado e a maioria das universidades tem desenvolvido grandes programas de investigação e nano-pesquisa, mormente no domínio da pesquisa nuclear e genética, usando produtos nano-ativados. Abundam os tratados internacionais e as leis nacionais nos países em que a nanotecnologia constitui uma considerável fatia do seu crescimento económico. Esta apresentação visa discutir quais as inovações científicas revolucionárias que constituem a base para as regras emergentes e quais as leis internacionais sobre investigação e uso de nanotecnologia; pretende-se, ainda, descrever as principais questões políticas levantadas pela nanotecnologia e a serem resolvidas por legisladores e juízes num futuro próximo.

 

  1. Princípios Básicos

 

A nanotecnologia envolve a manipulação de conhecidas substâncias químicas a nível molecular e atómico, a fim de se criarem produtos menores, mais rápidos, mais fortes, mais leves e confiáveis[3]. A escala nanométrica, que serve para medir atividades em que se aplica a nanotecnologia, é muito pequena. Um cabelo humano tem cerca de 100 mil nanómetros (nm) de diâmetro.

Em poucos nanómetros, as nano-partículas podem alterar a biologia da vida. Por exemplo, mecanismos naturais de designação complexa, como as “Lipoproteínas de Alta Densidade”, variam de 8-10 nm; e os “ribossomas”, as estruturas de construção do ADN, encontram-se entre os 25 e 30 nm. Assim, quando ouvimos discussões esporádicas sobre descobertas que se encontrem abaixo de 100 nanómetros na escala nanométrica, tal inclui inúmeras proteínas que são estruturas ou blocos de construção para o material genético chave. Além disso, há novos elementos e substâncias com designações sofisticadas, como matéria unidimensional e bidimensional e propriedades especiais da matéria em nano-escala: por exemplo, o ouro torna-se combustível, a prata como antibacteriana e o dióxido de titânio altamente tóxico é comercializado para a produção de uma maravilhosa espuma branca para rechear donuts, produzir chantilly e creme de barbear!

O prefixo “nano” é derivado da palavra grega “anão”[4]. No entanto, a nanotecnologia é bastante grande. Como previsto, até 2015, a nanotecnologia para fins comerciais e industriais alcançou triliões de dólares[5]. Portanto, à medida que o uso de nanotecnologia e produtos nano-ativados aumenta, deixando de ser meros experimentos em laboratório e passando a ser comercializados, o alcance e significado do termo “nanotecnologia” (perspetivado sob o ponto de vista jurídico) torna-se elástico, expandindo-se à medida que se desenvolvem os conhecimentos sobre os seus usos e aplicações. Sendo utilizada em produtos de saúde, cosméticos[6], produtos eletrónicos, vestuário e automóveis, a nanotecnologia está a tornar-se verdadeiramente “omnipresente” na economia global, tendo um significativo impacto na saúde e na qualidade de vida.

Estes desenvolvimentos milagrosos, que soam a autênticas cenas de um filme de ficção científica, permitirão que os pacientes usem produtos médicos nano-ativados, para a criação de novos ossos e produção de órgãos a partir das próprias células estaminais de um paciente, com o intuito de combater o cancro ou várias doenças neurológicas degenerativas! Por exemplo, acredita-se que nano-partículas manipuladas ou fabricadas percorrem lugares fascinantes, como a placenta humana e a barreira hematoencefálica[7], assim oferecendo novas possibilidades de tratamento. Alguns desses tratamentos usarão transportadores de fármacos nanoparticulados para se deslocar entre as células; outros, entrarão e atuarão sobre as mesmas, tal como acontece com os tumores cancerígenos, para as alterar. A vasta utilização da nanotecnologia nos cuidados de saúde para o fornecimento de medicamentos e para efeito de regeneração de tecidos, dentes e células poderá redefinir os conceitos de “saúde” e “deficiência”, tanto no domínio do Direito, como no próprio quotidiano.

Assim, as alterações nos processos químicos que resultem em novos produtos irão igualmente melhorar a qualidade de vida em torno do globo e, com o passar do tempo, alterar valores sociais historicamente consolidados. Isto significa que a nanotecnologia não será apenas objeto de nova regulamentação jurídica, mas também incrementará a adoção de novas leis que recorrem a novas formas de governança, como as parcerias científicas multinacionais que percorrem os vários continentes. Os acordos pan-europeus da União Europeia são apenas um exemplo desse facto. Existem também acordos bilaterais entre a UE e os EUA e entre algumas das potências industriais do continente asiático, como a China, Singapura, Coreia e Japão. Tudo isto representa uma mudança radical no conceito de Estado de Direito e no papel do Direito enquanto forma de governança, mormente quando é tomada em consideração a realidade do século passado.

No século XX, o Direito ocupava-se de equilibrar a diversidade existente, preservando, sem qualquer preconceito, as diferenças culturais. O Século XXI superou muitos desses desafios e confronta-nos com a necessidade de um mundo dotado de novas instituições de governança e um novo papel para o Estado de Direito. Neste contexto, a nanotecnologia apresenta-se como uma componente-chave das forças sociais que moldam este discurso sobre as novas abordagens à governança e ao Estado Regulador. Esta encruzilhada científica, profundamente influenciadora da política social, levanta novas questões acerca do modo como as pessoas irão sobreviver neste mundo e sobre qual o futuro que se deseja construir ao aplicar a nanotecnologia numa ampla gama de campos, desde a medicina, segurança, viagens, habitação e nutrição. Não é de surpreender, portanto, que a ideia de que a nanotecnologia é uma verdadeira revolução continue a ser repetida, de forma bem-sucedida, na literatura nano-médica, quer seja daquela que trata especificamente da nano-medicina clínica até à produzida pela própria imprensa popular[8].

As pessoas que, nas suas casas, utilizam a nanotecnologia para satisfação de necessidades médicas pessoais e que, fora delas, entram em contacto com a mesma ao se deslocarem (seja por automóvel, autocarro, avião ou comboio) ou nos próprios locais de trabalho, necessitam que lhe seja proporcionada adequada informação de cunho científico de forma a poderem:

  • Fazer escolhas informadas no âmbito do uso de produtos nano-ativados;
  • Compreender as informações que são divulgadas nos rótulos dos produtos sobre o seu conteúdo; e
  • Poder opinar livremente sobre leis e outras formas de regulação atinentes à nano-segurança, a fim de retirarem o melhor proveito deste novo tipo de tecnologia.

Neste dinâmico momento histórico, a sociedade encontra-se numa encruzilhada política deveras incomum: as mudanças trazidas pela tecnologia tornam oportuno a escolha de quais os valores “clássicos” que, nesta nova ordem, serão mantidos ou descartados. Por outro lado, as pessoas indiferentes às questões sociais vitais levantadas pela implementação da nanotecnologia em produtos comercializáveis e que evitam discutir sobre o tema com todos aqueles que partilhem uma opinião divergente da sua correm o risco de desatender à importância destes desenvolvimentos revolucionários. Estas pessoas certamente ficarão perplexas com os efeitos resultantes de uma possível incorporação acidental de antiquados preconceitos na matriz das novas leis que venham a regulamentar a nanotecnologia ou com a impossibilidade de aplicação daquelas que já existem atualmente.

Num passado recente, a lei e a ciência uniram-se para resolver os principais problemas de saúde pública, usando a chamada “global health diplomacy[9]. Atualmente, esta demonstra-se aberta à nanotecnologia graças a uma abordagem revolucionária das tradicionais regras científicas e naturais concernentes à matéria e propriedades de certos elementos-chave, como o titânio, a prata e o ouro. Neste contexto, utilizam-se produtos nano-ativados para manipular essas propriedades e, assim, melhorar a qualidade de vida das pessoas.

Recorrendo à colaboração científica a nível internacional e a ferramentas diplomáticas consagradas em convenções e tratados de comércio global, a nanotecnologia, os inovadores produtos nano-ativados e a nano-medicina transferirão, do laboratório para o mercado, artigos que irão impactar a alimentação, vestuário, abrigo, transporte e assistência médica. Estes produtos nano-ativados e as leis locais, nacionais e internacionais que os regulam irão, portanto, afetar a vida de todas as pessoas. “Espera-se que a nanotecnologia desempenhe o papel que a eletrónica desempenhou no século XX e a metalurgia no século XIX. [Além disso, também] se espera que os nano-materiais produzidos venham a acarretar inovações significativas… um reforço competitivo para a indústria europeia e fortes benefícios… desde a medicina até à agricultura, da biologia à eletrónica”[10]. Atualmente, o grande desafio no domínio da nanotecnologia é a criação de leis flexíveis que irão, simultaneamente, dar origem a novos ramos de comércio e promover a proteção da saúde. A nanotecnologia está aqui – não só é verdade que não se consegue “colocar a pasta de dentes de volta no tubo”, como se pode dizer que, hoje em dia, a mesma é composta pela mais recente nanotecnologia; aqui está um exemplo subtil, embora relevante, da aplicação, no dia-a-dia, de nanotecnologia em bens de consumo[11]. Note-se que a colocação destes produtos no mercado é fortemente planeada e, por isso, não deve surpreender os policymakers, consumidores e outros stakeholders.

Os impactos globais da nanotecnologia sobre a saúde, que discuto numa obra que redigi sobre esse tópico específico, constituem um brilhante exemplo de como um cidadão mediano pode traçar o caminho que conduzirá a inevitáveis mudanças sociais, devidas ao advento da nanotecnologia. Além disso, uma outra dimensão importante no âmbito desta temática envolve questões interdisciplinares sobre como e porque é que a nanotecnologia está a fazer convergir o Direito e a ciência em prol do desenvolvimento da economia global. Explorar algumas questões-chave sobre a nanotecnologia também oferece às pessoas uma oportunidade única para participar na formulação de leis, outras formas de regulamentação e políticas sobre o uso da nanotecnologia e melhoria das condições de vida da próxima geração. As pessoas podem aproveitar as oportunidades trazidas por esta revolução nanotecnológica de forma a instituir uma mudança social significativa (e já há muito esperada) que melhore a saúde pública, sem que se sacrifiquem os benefícios económicos prometidos pela nano-medicina e outros produtos nano-ativados.

 

A revolução da nanotecnologia para o comércio e a indústria pode acarretar mudanças revolucionárias no domínio da saúde pública.

 

Os principais “opinion leaders” na área da ciência, Direito e saúde anunciaram a nanotecnologia como uma verdadeira “revolução”[12], destinada a acarretar um desenvolvimento económico sem precedentes através da aplicação, desde o início do séc. XXI, dos inovadores progressos científicos. Em 2000, nos EUA, os consultores presidenciais proclamaram a nanotecnologia como a “Next Industrial Revolution[13]. “O impacto da nanotecnologia na saúde, riqueza e vida das pessoas poderia ser, pelo menos, tão significativo quanto a influência conjunta da microeletrónica, de instrumentos tecnológicos de imagiologia para diagnósticos clínicos, engenharia informática e polímeros artificiais desenvolvidos neste século”, de acordo com o relatório dirigido ao Presidente dos Estados Unidos, no início do séc. XXI, redigido pelo National Science and Technology Council norte-americano. “Comparado com as propriedades físicas e o comportamento de moléculas isoladas ou bulk materials … exibem mudanças importantes que os atuais modelos e teorias tradicionais não conseguem ainda explicar. Os desenvolvimentos nestes campos emergentes, provavelmente, mudarão o modo como quase tudo – desde vacinas a computadores, pneus de automóveis e outros objetos que ainda não foram imaginados – é projetado e fabricado. Estas novas formas de materiais e dispositivos anunciam o começo de uma era revolucionária para a ciência e a tecnologia, desde que possamos descobrir e utilizar plenamente os princípios que lhes estão subjacentes”, de acordo com o relatório do Governo dos EUA, redigido em 2000[14].

 

Este mesmo relatório também defendeu, em 2001 e de forma bem-sucedida, um investimento de quase um quarto de bilião de dólares para pesquisa e desenvolvimento, tendo-se, porém, uma década e meia depois, elevado este valor para cerca de 23 biliões de dólares. Antecipando a importância transversal da nanotecnologia em toda e cada uma das facetas do domínio comercial e da vida quotidiana, o Gabinete Executivo do Presidente dos EUA criou uma rede de agências federais intragovernamentais, abrangendo o domínio da saúde[15], segurança interna, exploração espacial, regulação de alimentos e fármacos, proteção ambiental, bens domésticos e de consumo, o Departamento de Comércio, o Departamento da Justiça e as ramificações do governo associadas à defesa militar[16]. A rede é chamada de Iniciativa Nacional de Nanotecnologia (National Nanotechnology Initiative – NNI). Programas semelhantes existem em todo o mundo. Acredita-se que, em 2000[17], a INN tenha designado a nanotecnologia como uma “revolução”[18] para a indústria e o comércio. Ao abrigo do 21st Century Nanotechnology Research and Development Act, de 2003[19], todas as agências do INN estão obrigadas a desenvolver um Plano Estratégico INN e a mantê-lo atualizado. O OSTP (Office of Science and Technology Policy) descreve a missão da INN da seguinte forma: “A visão da INN aponta para um futuro em que a capacidade de entender e controlar a matéria em nano-escala conduzirá a uma revolução tecnológica e industrial que beneficiará toda a sociedade”[20]. Os policymakers e cientistas concordaram. Uma década depois, esses sentimentos foram reforçados pelo Woodrow Wilson Center for Scholars[21]. Em 2013, esse mantra não se tinha alterado: o grupo europeu Nanosafety elogiou a nanotecnologia, afirmando que ela é “um dos principais impulsionadores tecnológicos na construção de uma União Europeia baseada no crescimento inteligente, sustentável e inclusivo”. Os cientistas do grupo “Nanosafety” recorrem essencialmente a termos político-burocráticos, e não científicos, descrevendo “o tremendo potencial de crescimento trazido a um grande número de setores da indústria”. A União Europeia também empregou biliões para a pesquisa de base em nanotecnologia e para a comercialização de produtos nano-ativados[22]. A União Europeia, em colaboração e, por vezes, em concorrência com o INN, acompanhou todas as facetas da sua estratégia. O Programa Europeu NanoReg2 tem como objetivo definir orientações a serem utilizadas no momento de se registar, licenciar e certificar a nano-segurança de uma ampla variedade de substâncias e produtos finais. A influência das “políticas científicas” sobre as novas leis emanadas a nível nacional e internacional demonstra que os vários fatores tecnológicos e económicos envolvidos no processo de globalização do comércio transformaram o próprio Direito.

“A nanotecnologia representa a possibilidade de revolucionar muitos aspetos das nossas vidas”, segundo a Dra. Varvara Karagkozaki, uma das principais investigadoras em nano-medicina. Além disso, concordando e reforçando a opinião dos governantes e de renomados académicos da área científica, os delegados do Fórum Económico Mundial (World Economic Forum – WEF), em Davos, na Suíça, declararam que “a tecnologia é a quarta revolução industrial”, adotando a nanotecnologia em 2016[23]. Klaus Schwab, fundador e presidente executivo do FEM declarou, neste contexto, que “sentimos que não estamos suficientemente preparados para esta quarta revolução industrial que cairá sobre nós como um tsunami que transformará, no seu todo, os sistemas”.

 

Estudos acerca da interação de nano-partículas com sistemas vivos podem incluir:

à A caraterização estandardizada do tamanho dos nano-materiais, da distribuição de tamanho, da forma e meio em que as espécies a ser testadas estarão expostas às nano-partículas.

à Observações de aglomeração: tais como captação de imagens através de microscopia eletrónica conjugadas com a sedimentação de centrifugação diferencial.

à Relatórios acerca da distribuição de monómeros, dímeros, trímeros e agregados de maior dimensão encontrados em bio-fluidos complexos.

à O destino biológico das nano-partículas requer estudo acerca das potenciais propriedades de ligação das proteínas (e outras biomoléculas, tais como lípidos e polissacarídeos) nas situações em que aquelas que são usadas como revestimento externo (ou “protein corona”) se alteram à medida que as nano-partículas se movem, o que poderá acontecer, por exemplo, quando estas se redistribuem de um órgão para outro.

 

A nanotecnologia já deu nova vida a antigas indústrias (p.e. do ouro e dos diamantes) em que o stock foi reduzido, mas não esgotado, já que os processos industriais à nano-escala exigem muito menos para a produção e entrega do produto final. E os mesmos atributos dos nano-materiais, embora em substâncias diferentes, já se encontram na indústria, tornando os aviões mais leves e mais fortes, as pestanas mais longas e mais sedutoras e construindo casas e prédios capazes de resistir a desastres naturais.

 

  1. Questões Críticas

 

Ter novos materiais é bastante fascinante! Novos materiais e novos métodos de uso dos mesmos trazem promessas rejuvenescedoras para o comércio, para a bolsa de valores, para empresas iniciantes, para grandes empregadores que utilizam produtos nano-ativados e para o futuro da própria Humanidade.

Nanotoxicidade

O carácter omnipresente dos produtos nano-ativados pode apresentar-se como uma desvantagem, mas também como uma vantagem. É que o fascinante facto de que nano-partículas muito pequenas podem atravessar certas barreiras, até agora intransponíveis, também significa que pouco se sabe como é que podemos impedi-las de migrar, como prever até onde é que elas irão ter por sua própria conta, apesar dos vários cálculos e previsões humanas, ou quais as substâncias que podem interagir como uma espécie de impulsionador que faça as nano-partículas agruparem-se ou aderirem a outras substâncias, conduzindo a resultados largamente imprevisíveis. Não é possível estimar, com precisão, o risco, porque se sabe muito pouco sobre o campo emergente da nanotoxicidade. Portanto, estas questões sobre o “destino” das nano-partículas são de extrema relevância para efeitos de controlo do risco à nano-escala. Consequentemente, emerge um dilema político: se os riscos associados ao fenómeno são incalculáveis mas, provavelmente, bastante elevados, será que se deve bloquear a comercialização destes promissores produtos nano-ativados?

Tentar impedir que as nano-partículas continuem a migrar para outros lugares depois de concluído o trabalho desejado, e posteriormente determinar se a sua reunião em grandes grupos é útil, coloca muitas questões pertinentes. Algumas dessas questões já são compreendidas relativamente às mesmas substâncias de maior dimensão, mas as regras estabelecidas pela comunidade científica para esses casos não se aplicam à mesma substância quando analisada à nano-escala. Por exemplo, pouco se sabe sobre a estabilidade, dispersão ou toxicidade das nano-partículas na decomposição da matéria orgânica vegetal e animal. Assim, o mistério envolve o comportamento das nano-partículas e os seus impactos, sendo este um assunto que vai ser examinado, de forma detalhada, no workshop “SaferNano Design and Law”, que decorrerá no Technopole em Archamps, de 26 de Maio a 4 de Junho de 2018.

 

Um Dilema de Políticas: moratória ou exposição?

Escolhas difíceis no momento de enfrentar perigos desconhecidos

 A nanotecnologia é revolucionária porque estas descobertas vêm desafiar premissas fundantes da própria ciência. O seu carácter omnipresente significa que a nanotecnologia apresenta também um grande impacto sobre os valores culturais, independentemente do grau de perceção de cada sujeito sobre esse facto.

A introdução de novos produtos no mercado, combinada com o atual contexto social de emergência de novos direitos para as pessoas com deficiências, irá remodelar a própria sociedade civil; a combinação de novos dados e novas oportunidades económicas representará desafios para a forma como, atualmente, as coisas são feitas. Reunir um grupo diversificado de pessoas conscientes para criar um panorama preciso é, portanto, um dos grandes desafios trazidos pela mudança revolucionária da nanotecnologia. De acordo com um ex-funcionário da OSTP, “as pessoas nas faculdades acabam por ficar dentro de uma “bolha”. Não é culpa deles, é apenas a maneira como o sistema funciona” 25. Este dilema é apelidado pelos funcionários do sistema das Nações Unidas de “working in silos”, mas o paradigma aplica-se a muitas disciplinas, incluindo, mas sem se limitar ao Direito, ciências “de bancada”, burocracias municipais e à Academia. Quando os profissionais destas várias carreiras específicas tentam interagir entre si, dificulta-se largamente a emergência da própria política científica. O problema político aqui subjacente é o de que nenhuma destas disciplinas opera num vácuo; nenhum “silo” é genuinamente isolado da vida real. Cada uma destas construções políticas é financiada pelo governo federal em parceria com a indústria, a Academia e uma variedade de outros stakeholders. No entanto, qualquer caminho que evite que se tome uma decisão no contexto desta incerteza é bastante nebuloso. Não é claro como, neste contexto, se chegará a um consenso. Portanto, a incerteza demonstra ser um fator de peso a tomar em conta no momento de se enfrentar este dilema, principalmente se almejarmos encontrar equilíbrio entre os benefícios e riscos, de forma a possibilitar que cada sujeito usufrua de bens e processos industriais que já se encontram no mercado.

Debater a questão de como regular o risco (ainda não quantificável) para proteger a saúde pública e, ao mesmo tempo, proteger uma cultura de inovação tem sido uma verdadeira marca caracterizadora da primeira década da discussão jurídica sobre a aplicação da nanotecnologia no quotidiano da sociedade[24]. No entanto, o debate não parou a infusão desta tecnologia revolucionária em vários produtos utilizados pela nossa sociedade. Cientistas e governos concordam que existem riscos desconhecidos e, portanto, começaram a redigir leis apesar da ausência de informações claras e convincentes. Os exemplos incluem a Federação Suíça (Precautionary Matrix 2008), a Comissão Real de Poluição Ambiental (Reino Unido, 2008), a Comissão Científica Governamental Alemã, o testemunho público procurado pelo Instituto Nacional de Segurança e Saúde Ocupacional dos EUA (Niosh, Fevereiro de 2011), o grupo de trabalho da OCDE (desde 2007), o grupo de trabalho da OMS (em processo de formação), ISO, OMC, vários grupos industriais e várias organizações não-governamentais. Portanto, há consenso de que a nanotecnologia apresenta riscos de danos significativos às populações atualmente sujeitas a exposição, ao meio ambiente e à saúde pública. Mas os dados qualitativos destinados a proteger as pessoas expostas e o meio ambiente que circunda o “ambiente humano” ficam aquém do uso industrial, da pesquisa e da aplicação da nanotecnologia em bens de consumo.

 

Direito Internacional da Colaboração Científica Além-Fronteiras

 Projetos internacionais que requerem uma delicada fusão entre Direito e ciência no âmbito da diplomacia na saúde global estão, assim, na linha da frente, a dar os seus primeiros passos sob a forma de grandes parcerias bilaterais e multilaterais entre os EUA e outros parceiros como a China, Israel, Brasil, os Emirados Árabes Unidos e a União Europeia. Nos mais altos níveis, as decisões podem ter uma influência duradoura, mas medir os impactos diretos é extremamente difícil no momento de avaliar o impacto a longo-prazo da pesquisa e da diplomacia. Cada faceta desta nova síntese de disciplinas para o direito da nanotecnologia e suas políticas requerem o contributo dos sujeitos que pensem de forma lógica sobre como resolver os problemas, trabalhar em equipa, levar a cabo uma abordagem multidisciplinar e, simultaneamente, manter o respeito por profissões paralelas. Um dos fascinantes aspetos da nanotecnologia é que ela não nasceu no seio de nenhuma disciplina em específico; a ciência é inerentemente interdisciplinar e, portanto, a governança de impactos sociais também deve derivar de um conjunto de disciplinas que nunca antes trabalharam em conjunto e de forma próxima. Isto requer uma abordagem multidimensional para a projeção e cálculo dos impactos sociais causados.

Os advogados podem contribuir com informação para este discurso. Boa preparação jurídica pode favorecer cada uma das fases deste complexo processo. A criatividade, no entanto, não é aleatória; o cultivo de inovações que poupam dinheiro e reduzem a duplicação de esforços requer uma profunda reflexão prévia, assim como novas ideias. Isto significa que a documentação de políticas e o seu conteúdo regulatório deve ser preenchido com mais do que mero compromisso; requer-se, na verdade, treino fora do caminho profissional de qualquer sujeito e posterior aplicação das lições assim aprendidas.

 

Conclusões

 A nanotecnologia é fascinante porque o estado da arte de manipular a matéria à nano-escala ainda está numa fase embrionária, e as possibilidades a serem exploradas são amplas e (em larga medida) ainda desconhecidas. Ao mesmo tempo, essa novidade traz riscos imprevisíveis com os quais o Direito não consegue lidar bem. Por exemplo, a impressão 3D pode tornar a regulação da propriedade intelectual irrelevante ou até mesmo torná-la um problema, visto que os códigos embutidos que protegem patentes serão facilmente reproduzidos em conjunto com a cópia (possivelmente) culposa.

As definições legais de saúde e deficiência para propósitos de “baixa médica”, seguros e cuidados de saúde também poderão alterar-se, colocando em dúvida se as leis de discriminação serão expandidas e efetivadas ou, em alternativa, se tal resultará no surgimento de uma grande lacuna na proteção jurídica das classes mais desfavorecidas visto que, embora recebam tratamento e pareçam saudáveis, estes não se encontrarão tutelados pela lei, ficando, assim, expostos ao estigma.

Além disso, o efeito cumulativo de exposição a uma variedade de nanomateriais irá tornar-se objeto de escrutínio no momento de se recorrer a novas ferramentas jurídicas para apurar responsabilidade(s), na medida em que essa exposição dos sujeitos não se poderá quantificar naqueles meios em que ela não possa ser controlada e a fonte de potenciais danos poderá manter-se desconhecida.

Inevitavelmente, estes aspetos da nanotecnologia irão necessitar de ser extraídos através de um esforço global para medir, controlar e compensar os trabalhadores, consumidores e o próprio meio ambiente pelos seus impactos.

 

Mantenha-se atento! O próximo decisionmaker em matéria de nanotecnologia pode ser você!

 

[1]  Texto traduzido por Eduardo António da Silva Figueiredo (Investigador do CDB).

[2] Vladimir Murashov & John Howard, Essential features for proactive risk management, in Nature Nanotechnology, Vol. 4, Aug. 2009, Macmillan Publishers. “Prevê-se que a nanotecnologia melhore vários aspetos da vida humana. Em 2015, estima-se que esta represente cerca de 3,1 triliões de dólares em bens manufaturados”.

[3]  Royal Commission on Environmental Pollution, Chairman: Sir John Lawton CBE, FRS, Twenty-Seventh Report: Novel Materials In The Environment: The Case Of Nanotechnology. Presented to Parliament by Command of Her Majesty November 2008.

[4]  European Commission “Towards A European Strategy For Nanotechnology” Luxembourg Office for Official Publications of the European Communities, 2004 p. 4.

[5]  John Howard and Vladimir Murashov, “National Nanotechnology Partnership to Protect Workers” J Nanopart Res July 2009.

[6]  Crosera, M., Bovenzi, M., Maina, G., Adami, G., Zanette, C., Florio, C., & Filon Larese, F. (2009). Nanoparticle dermal absorption and toxicity: a review of the literature. International Archives of Occupational and Environmental Health, 82(9), 1043–55. http://doi.org/http://dx.doi.org/10.1007/s00420-009-0458-x.

[7] Ilise L Feitshans, “Final Report To The European Science Foundation”, European Science Foundation Epitome Grant Recipient, February-March 2012, Center for BioNano Interactions (CBNI), University College of Dublin Ireland, March.

[8] Varvara Karagkiozaki & Stergios Logothetidis, Eds. “Horizons in Clinical Nanomedicine” Pan Stanford Publishing, Singapore 2015.

[9] Shinzo Abe, “Japan’s Strategy for Global Health Diplomacy: Why It Matters” the Lancet Vol 382 at 915-6, September 14, 2013.

[10] Nicolas Segebarth & Georgios Kagarianakis Foreword, IN: Michael Riediker and Georgios Kagarianakis, Editors, NanoSafety Cluster “Compendium of Projects In the European Nanosafety Cluster”, 2011, Brussels, Belgium.

[11] Retirado dos Slides de John Howard sobre “Nanotechnology the Newest Slice of Global Economic Life”. Guest Lecture at the International Labor Organization Geneva Switzerland November 27 2008.

[12] Louis Theodore & Robert G. Kunz, Nanotechnology: Environmental Implications and Solutions, Wiley Interscience Hoboken, New Jersey, 2005. “Os autores acreditam que a nanotecnologia é a segunda grande descoberta da revolução industrial”.

[13] National Science and Technology Council Committee on Technology, Subcommittee on Nanoscale Science, Engineering and Technology, National Nanotechnology Initiative: The Initiative and Its Implementation Plan, July 2000, Washington D.C. Esta relatório afirma que “o desenvolvimento de um Mercado global saudável para produtos e ideias de nanotecnologia exigirá o estabelecimento da confiança do consumidor, abordagens comuns para as questões ambientais, de saúde e segurança da nanotecnologia, esquemas regulatórios eficientes e eficazes e práticas comerciais equitativas para a nanotecnologia em todo o mundo”.

[14] A iniciativa apoiará a pesquisa e desenvolvimento a longo-prazo em nano-escalda, levando a descobertas potenciais em áreas como materiais e manufatura, nano-eletrónica, medicina e saúde, meio ambiente, energia, produtos químicos, biotecnologia, agricultura, tecnologia da informação e segurança nacional. O efeito da nanotecnologia na saúde, riqueza e vida das pessoas poderia se, pelo menos, tão significativo quanto as influências combinadas da microeletrónica, imagens médicas, engenharia auxiliada por computadores e polímeros artificiais desenvolvidos neste século”.

[15] CDC – NIOSH Publications and Products – Approaches to Safe Nanotechnology: Managing the Health and Safety Concerns Associated with Engineered Nanomaterials (2009-125). (n.d.). Retrieved May 16, 2015, from http://www.cdc.gov/niosh/docs/2009-125/.

[16] www.nano.gov.

[17] National Science and Technology Council Committee on Technology, Subcommittee on Nanoscale Science, Engineering and Technology, National Nanotechnology Initiative: The Initiative and Its Implementation Plan, July 2000, Washington D.C. Esta relatório afirma que “o desenvolvimento de um mercado global saudável para produtos e ideias de nanotecnologia exigirá o estabelecimento da confiança do consumidor, abordagens comuns para as questões ambientais, de saúde e segurança da nanotecnologia, esquemas regulatórios eficientes e eficazes e práticas comerciais equitativas para a nanotecnologia em todo o mundo”.

[18] National Nanotechnology Initiative (NNI): “A nanotecnologia foi reconhecida como um campo revolucionário da ciência e da recnologia, comprável com a introdução as revoluções trazidas pela descoberta da eletricidade, biotecnologia e da informação digital”.

[19] 21st Century Nanotechnology Research and Development Act (15 U.S.C. §7501(c)(4), P.L. 108-153); www.gpo.gov/fdsys/pkg/PLAW-108publ153/html/PLAW-108publ153.htm).

[20] Executive Office of the President of the United States, Office of Science and Technology Policy, National Nanotechnology Initiative 2016, Draft Strategy for Public Comment, Washington DC, US Government Printing Office, 2016.

[21] Daniel Fiorino, “Voluntary Initiatives, Regulation, and Nanotechnology Oversight: Charting a Path”, Woodrow Wilson Center for Scholars and the Pew Charitable Trust, 2010.

[22] European Union, Seventh Framework for Scientific Research, “Nanosafety Strategic Research Agenda 2015-2020: Safe and Sustainable Development and Use of Nanomaterials”.

[23] Jane Onyanga-Omara, USA today Section B page 2 “Davos 2016 Examines 4th Industrial revolution”, January 18th 2016.

 

[24] Ilise L Feitshans, “Ten Years After: Ethical Legal and Social Impacts of Nanotechnology”, in BAOJ Nanotechnology, Vol. 1, June 2016.

 

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